Sobre a busca pelo livro perfeito
para mim, num determinado recorte temporal. Na verdade, é um troço mais atmosférico, etéreo, e de repente nem existe além da velha história da jornada interna de cada um. Entre outros assuntos,
como sempre, entre eles, o tempo.
Bom dia. Hoje é domingo, 8 de setembro de 2024. Aqui em Itajaí, amanheceu nublado, com o sol se fortalecendo por trás das nuvens com o passar das horas. Agora está 21°C, parece que vai esquentar. Tempo úmido, sinais de uma primavera que se aproxima. Nesses dias de transição de temporada, das frias para as quentes, sempre me bate a impressão de que não houve frio ou, se houve, não o aproveitei direito, com sopas, vinho, cobertas, preguiça, essas coisas. E a aproximação do calor me dá ansiedade sobre os dias de suor, fervor solar, dias insuportáveis em que as ruas parecem grandes frigideiras hostis a existência humana, e que vou ter de esperar meses até a volta dos dias bons. Desnecessário informar, estou passando por um período de baixa: baixa das energias, da vontade de fazer coisas, do humor. Já tem um tempo. Imagino que seja efeito do cansaço. Faz quase um ano das minhas últimas férias e, ano passado, elas giraram em torno das burocracias relacionadas ao falecimento de familiares. Foram 10 dias, depois 20, que passaram voando e não tive capacidade física ou mental de descansar. Agora tenho 30 dias de descanso e pretendo aproveitar.
Sobre meu livro e a Flipomerode
Como a essa altura você deve saber, eu tenho um livro de contos publicado. Como estarei de férias, você pode comprar comigo. Manda seu interesse na compra no meu e-mail: raphaelsalcedo@gmail.com - ou por aqui mesmo, você que sabe. Eu te passo a chave do pix, você me passa o endereço de envio, a partir do dia 16 de setembro estarei disponível para te enviar o livro pelos correios. 40 reais, frete grátis.
Também pretendo estar na Flipomerode, dia 14 e 15 de setembro. Não fui convidado pra nada nem acho que minha editora vai estar lá. Mas eu vou. Estarei oferecendo meus livros para que os passeantes estejam comprando. Caso você pretenda estar lá nesses dois dias, avise. Eu faço a entrega em pessoa.
Mais informações sobre o livro (inclusive uma possibilidade de compra, caso você não queira contato comigo): https://www.rizomaeditora.com.br/product-page/r%C3%A1dio-de-pilha
Mais informações da Flipomerode: https://flipomerode.com/
O filme que eu não canso de assistir
Paterson, de Jim Jarmusch, lançado em 2016, foi um filme que me abriu os olhos. Eu sabia do meu fascínio por histórias menores, focadas nas pequenas coisas, o cotidiano debaixo de uma lupa tão grande, chega a causar estranhamento. E eu tinha um forte desejo de ver esse meu fascínio representado na arte. Vi exemplos disso na arte visual e em alguns poemas, mas Paterson foi a primeira vez que vi isso representado em uma história. Para quem nunca viu, bem, veja, faça isso o quanto antes, no entanto eu vou tentar te convencer falando um pouco do que o filme fez comigo - e não tem problema falar da história em si, já que a graça não está nela. Paterson é um filme sobre 7 dias da vida de um motorista de ônibus chamado Paterson. Ele escreve poesia nas horas vagas. Ele vive uma vida simples, com a namorada Laura e o cachorro Marvin, na cidade de Paterson, Nova Jérsei, terra natal de William Carlos Williams - herói pessoal, que, a propósito era um pediatra que escrevia poesia nas horas vagas, do nosso herói da classe operária, Paterson. Ele acorda todos os dias na mesma hora, ele vai a pé até a estação, sobe no ônibus e faz sua rota. Escreve na hora do almoço, igual fazia Frank O’Hara. Volta pra casa no fim da tarde. Arruma a caixa de correios, sempre torta quando ele chega em casa. Às vezes escreve mais um pouco, janta com Laura, os dois conversam até ele sair pra passear com Marvin, um buldogue francês. No passeio, ele para num bar e toma exatamente uma cerveja. É isso. O filme se recusa a ser mais que isso. Possibilidades de dramas maiores se apresentam desde a primeira cena, mas esse é um traço do Jarmusch, mostrar para o público tudo que o filme não é - detalhes que eu vou deixar pra você captar, já que é isso que você vai fazer hoje à noite, né? Ver esse filme. Sim, estamos combinados. Não me interessa como você vai achar o filme, dá teus pulos.
O que são as tais pequenas coisas?
Vemos exemplos disso em todo lugar agora, parece ser um tema da moda. Todo mundo fala de viver devagar, apreciar o que há de menor no cotidiano. Um café passado, fazer amizade com um gato na rua, sentar sozinho numa mesa externa de um bar e ficar em silêncio observando a mudança do cenário. É tudo muito romântico e bonitinho. Mas a simples descrição dessas coisas não transfere a atmosfera dessa experiência. Eu posso te passar uma lista de pequenas coisas a serem apreciadas como fosse a receita de um bolo e você pode ler e dizer a si: é isso. Talvez você possa até seguir as instruções. O texto em si não te traz a sensação, é você que deve ir atrás da experiência, porque é uma sensação assim tão difícil de transferir. Paterson consegue, com as artimanhas de uma câmera vagarosa, poucos cortes, música ambiente, recitação de poemas (cortesia de Ron Padgett) em voz tranquilizante combinada a cenas de uma rua quieta e arborizada ou de uma cachoeira no meio do ambiente urbano. Vi algo similar em algumas pinturas, sejam as renascentistas de Vermeer, que recusaram a grandiosidade dos mitos greco-romanos e bíblicos, favorecendo retratar as gentes trabalhadoras das pequenas cidades, em vez de reis e rainhas em seus palácios; o mesmo em Edward Hopper, que preferiu os postos de gasolina vazios e a iluminação hospitalar dos cafés na madrugada, ante o caótico moderno do pós-guerra expressionista-abstrato. Sinto essa atmosfera com frequência na música, principalmente a caseira, gravadas em quartos por artistas solitários, de Daniel Johnston a Mountain Goats a Jessica Pratt, que, de certa forma, devem algo a poetas da escola de Nova Iorque até os confessionais (que rejeitam o título de confessionais). Então existe.
A busca pelo livro perfeito para mim
Desde que percebi essa minha busca, procurei, sem sucesso, essa sensação em livros. Cheguei perto com O Livro do Travesseiro, da Sei Shonagon, e com Rua de Mão Única, Infância Berlinense e Imagens do Pensamento, do Walter Benjamin, com o detalhe de que o primeiro foi escrito por uma dama da corte do Japão feudal no século XI, os outros por um filósofo alemão do entre guerras, que relacionava suas observações urbanas pessoais com os problemas do capitalismo industrial, a alienação da classe trabalhadora, enfim questões maiores. Ensaio sobre o dia exitoso, do Peter Handke, chegou perto, não fosse pelas divagações repetitivas sobre o que seria, enfim, um dia exitoso. Fez um bom trabalho em me explicar do que se trata a minha busca, mas não satisfez a coceira. Lembro, nos meus 21 anos, de ter lido algo que também chegou perto da minha busca em Norwegian Wood, do Murakami, mas as tentativas de releitura me mostraram que eu, como todo o jovem, estava errado. Hoje não vejo graça nenhuma no autor japonês mais popular da história da literatura. Tudo isso me leva a crer que o livro perfeito para mim não existe, afinal só eu sou eu e só eu sei, portanto, o que eu estou procurando - e olha que eu não faço ideia do que eu estou falando ou de onde quero chegar com isso. Logo, eu tenho que fazer esse trabalho para mim. Não vai ser perfeito pra você, mas assim é a vida. Tomara seja bom o suficiente para mim. Vai ver é isso que todo mundo que se dedica a uma arte quer fazer. A gente se apaixona por uma arte e, não encontrando nela o que a gente quer encontrar, decide fazer.
Mudanças internas, mudanças externas
Um momento, vou interromper a elaboração dessa newsletter para ir no mercado e preparar o almoço. As horas passaram e eu nem vi. Enquanto isso, tenho aqui um disco da Magnetic Fields, perfeito para você que está em estado depressivo, mas ainda quer dançar.
Voltei. Boa tarde, então. O que eu queria dizer é que esta minha Itajaí não é mais a mesma. Isso me veio na cabeça, voltando pra casa noutro dia e não sei se faz sentido. Ainda não comecei meu estágio, a Secretaria de Educação simplesmente não assina o contrato e o trimestre está acabando. Para mim, esse diploma significa uma mudança na minha vida, uma tentativa de seguir uma nova profissão, uma que faz algum sentido pra mim, depois de 15 anos em alienação e por aí vai. Esse bloqueio externo, parece uma forma de impedimento de mudança. Ao mesmo tempo, o centro de Itajaí está em reforma. Melhor dizendo, está em processo de destruição. Antes, tínhamos palmeiras de uma ponta a outra da avenida, todas foram removidas e substituídas por árvores jovens. Removeram as árvores, o canteiro de flores, os postes de luz, até as calçadas foram destruídas em alguns pontos. Por algum motivo, isso me deixou acabado. Eu não sabia que estava tão apegado à rua onde moro. Sexta à noite, sem iluminação, dez da noite, atravessando o chão de pedra e terra, tive vontade de chorar. Até porque, eu sei que a ideia é só ampliar as vias para os carros. O que está fora não para de mudar, enquanto eu mesmo não consigo. Eu ainda não sei o que dizer sobre isso nem sobre coisa nenhuma nessa edição da newsletter. Tem coisa aí, um dia eu descubro o que é e conto pra vocês. É uma combinação de sensações e isso é difícil de transmitir.
Um poema do William Carlos Williams (aquele que todo mundo conhece)
Isto é só pra dizer
Eu comi as ameixas que estavam na geladeira e que você provavelmente guardava pro café-da-manhã Me perdoa elas estavam deliciosas tão doces e tão frias
pra mim, paterson é o que um poema seria se virasse cinema.
Ah esse filme. Observei e experimentei os pensamentos de um poeta e esses pequenos detalhes da vida cotidiana são explorados de forma única. As sensações deste filme dificilmente podem ser colocadas em palavras, mas em um nível técnico é simples, mas perfeito, cada personagem deste filme se destaca e tem um dos meus usos favoritos de um animal de estimação colocado para filmar. ;)