Nada para a imaginação
fragmentos inconclusivos sobre o que é revelar demais e os defeitos da realidade comparada com a imaginação
Uma foto da vista pela minha janela
Bom fim de tarde, gente amiga. Hoje é domingo, 15 de setembro de 2024. Dia frio e chuvoso, aqui em Itajaí. Cinza até onde vão as vistas, que não vão muito longe devido ao céu defumado - cês sabem, com o Brasil pegam mais fogo do que é costume. Sexta, num bar, ouvi a seguinte frase de um rapaz que cuidava de uma loja de artesanato (para uma outra funcionária, ele não disse isso pra mim, só bisbilhotei): “É burrice o que tão dizendo que isso é culpa do agro. Se eu tivesse uma fazenda, não ia tacar fogo na plantação, não ia tacar fogo no gado. Não faz sentindo, é absurdo.” Eu teria respirado fundo para me conter, se fosse possível. Dessa vez, tive de me conter com mais cerveja.
Essa foi uma semana travada. Mais ainda. Eu ia na flipomerode, aí travei. Simplesmente, não consegui. Olhei as passagens de ônibus, olhei os hotéis. Não consegui me fazer seguir em frente. Se eu soubesse o motivo disso, não teria acontecido. É o que é e não me arrependo.
Faz uns seis meses que, semanalmente, descrevo o clima pela vista da minha janela. Além da cara do tempo, descrevo os prédios, as obras, os veículos que passam. Fiquei me perguntando se vocês têm uma imagem mental dessa vista. Vocês tinham? Pra comparar, hoje decidi mostrar a tal da vista, aquela que vejo todo dia e descrevo toda semana. A real (congelada em uma foto tirada agora, 17:36) parece com a imaginação de vocês? Espero que vocês estejam decepcionados e a vista imaginada fosse melhor. O imaginado costuma ser melhor.
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Meu livro, Rádio de Pilha, pode ser comprado diretamente comigo, até 11 de outubro. Você me manda uma mensagem aqui ou um note ou um e-mail para raphaelsalcedo@gmail.com - eu te passo a chave do pix, você me manda o endereço de envio. Para comemorar, estou fazendo o preço promocional de 35,00 - frete grátis - durante esse período. Depois de 11 de outubro, volta ao normal, pelo site da editora.
Minimalismo
Quando eu começo a escrever, me surge uma ideia pra uma narrativa, minhas tendências são maximalistas. Eu quero colocar tudo ali, acrescentar camadas e histórias. Até que minha cabeça lota e eu busco uma estrutura coerente entre as intenções. Uma narrativa, vira três distintas, enxugo o que sobrou e por aí vai. Esse foi o processo da maioria dos contos de Rádio de Pilha, por exemplo. Mesmo assim, é um livro de 172 páginas e, aparentemente, isso é bastante para um livro de contos. Principalmente um livro com 8 contos. A verdade é que eu não consigo me imaginar escrevendo um conto de uma página, nem mesmo três, como algumas publicações e prêmios exigem. Minhas narrativas não aparecem assim tão curtas. Às vezes, me vem uma imagem única e solitária, normalmente essas se tornam poemas, em verso ou em prosa ou algo nas linhas do ensaio bonsai, do Fabián Casas. Observações cotidianas e casuais, como o diálogo do cara no bar - poderia ser. E é normalmente assim que eu componho histórias, mas com várias dessas, conectadas, envolvendo as mesmas personagens. Sendo assim, eu me considero um minimalista. É como um filme do Tarkóvsky, são combinações de quadros, sem explicação ou detalhes excessivos, mas que se extendem por várias horas. Um homem caminha pela extensão do que parece um lago artificial, em meio às ruínas do que poderia ser um velho casarão. Ele leva nas mãos uma vela e protege a chama do vento. Ele precisa fazer o caminho de ida e volta pela extensão do lago, com a vela acessa, para evitar o fim do mundo. É isso, menos de 4 linhas, no entanto a cena dura, na minha memória, cerca de 15 minutos - e precisa durar para ter efeito. É longo, e não deixa de ser mínimo.
Deixar para a imaginação
Um dia, uma pessoa me disse que meus contos não deixam nada para a imaginação. Eu respeito a leitura de cada um, dito isso, eu me reservo o direito de discordar. Extensão não é sinônimo de explicação ou exaustão das possibilidades internas de uma narrativa. Ao mesmo tempo, um microconto pode, mesmo em poucas linhas, não deixar nada para a imaginação. Eu conheço alguns exemplos de contos assim que trazem uma exposição em duas linhas, depois explicam a exposição na última. Prefiro não expor ninguém com exemplos, mas vocês devem ter alguns no acervo mental de vocês. Por algum motivo, para essa pessoa, extensão virou sinônimo de explicação. Mas ela não reparou que nenhum conto descreve a aparência das pessoas, mais de um deixa vago o gênero de uma ou mais personagens, entre outras explicações que são deixadas para subtexto - sem falar das que não tem explicação, porque eu não tenho uma.
A imaginação pode até paralisar
Esse é um problema que eu tenho quando escrevo algo novo. Normalmente, as ideias são melhores apenas imaginadas. Cada frase deixada no papel piora a imaginação inicial. O mesmo vale para as newsletters. Eu imaginei essa edição como algo genial, mas não está saindo. Pode ser coisa da minha cabeça, estou meio pra baixo. Pode ser que eu revisite a ideia num dia melhor.
Leituras imaginadas
Curiosamente, a mesma pessoa que me disse que eu não deixava nada para a imaginação (não necessariamente como uma crítica, só uma observação meio solta na conversa), usou um dos meus contos numa oficina (uma oficina sobre sonho e narrativa - o conto escolhido foi “Somos nós os sonhadores dos sonhos” - que tem sonho no título, mas não tem nada a ver com sonho). Ou ela quis usar, mas, ao começar a ler o texto para os alunos, decidiu escolher outro. A pessoa ficou surpresa que tinha um conto erótico entre as histórias. A questão é: não tem. Esse conto é quase casto, propositalmente. É sobre a comercialização do afeto e da intimidade, portanto ele tem uma sensualidade, num sentido sensorial e de percepção do corpo, mas não tem nada de erótico ou pornográfico. Pelo contrário, nesse conto, o sexo é evitado. Então eu entendi: ela não leu o livro, mas, como me conhece pessoalmente, o imaginou, com base no que eu já falei sobre ele. Explica o erotismo imaginado? Não. Mas explica o não deixar nada para a imaginação. Deixei tanto, a pessoa imaginou o livro inteiro.
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Eu imaginava uma perspectiva do 22º andar, acho, algo mais alto, mas muito parecido com a vista que eu tinha do meu apartamento em Curitiba, então a associação ficou quase identica :)